Esta tuitei, se bem me lembro. E também a pus no Facebook. Mas como twitter e facebook são perfeitas porcarias no que toca a reencontrar o que lá é publicado, ficando as coisas encerradas atrás dos muros dos jardins privativos de cada um, resolvi republicá-la aqui.
O texto foi escrito e publicado a 27 de fevereiro. Relendo-o hoje, descubro que voltaria a escrevê-lo com pouquíssimas alterações. Aqui fica, sem alteração alguma:
A NATO, em vez de crescer, devia desaparecer, pura e simplesmente. Já devia ter desaparecido há muito tempo, na verdade. Um dia será. Adolf Putin conseguiu fazer com que esse dia venha muito mais tarde do que poderia vir, mas um dia virá.
Porque a NATO é uma organização imperialista por natureza, que só faz o mínimo sentido enquanto existirem os imperialismos nela integrados e outros imperialismos que a combatem. Não tem, nem nunca teve, nada a ver com democracia. Portugal aderiu à NATO durante a ditadura salazarista, a Grécia aderiu à NATO durante um período de democracia "musculada" (da qual a esquerda estava basicamente excluída) e manteve-se leal membro durante a ditadura militar e se o Orban levar a Hungria para uma ditadura formal em vez do autoritarismo de fachada democrática que existe hoje no país, a NATO irá aceitar o facto com a fleuma com que desde sempre encarou as ditaduras de extrema-direita.
(e nem falemos da Turquia)
Mesmo assim, é um pouco menos má que o império sem freios. Um pouco. Não foi a NATO que invadiu o Iraque, foram os EUA e mais alguns membros. Não é a NATO que está a bombardear o Iémen, são os EUA. E etc. A NATO pode ter tido algum efeito dissuasor em certas aventuras.
Porque nem sempre os aliados do império estão dispostos a embarcar nas aventuras do império, e este sente a necessidade de conservar os aliados do seu lado. Há uma espécie de multilateralismo parcial em ação aí, que no entanto, como se tem visto, é muito insuficiente.
Até porque nem sempre os aliados têm vontade ou coragem para bater o pé ao império. O bombardeamento da Sérvia ou a missão da NATO no Afeganistão são exemplos claros. Daí a NATO ser talvez um pouco menos má que o império sem freios, mas só um pouco.
Enfim, voltando ao início. A NATO há de acabar um dia. Resta saber como.
Quem deseja um mundo de paz e multilateralismo, no qual os impérios não tenham lugar, só pode desejar o fim da NATO.
Esse fim, no entanto, implica algumas coisas.
Implica o desaparecimento da ideia imperialista de "esferas de influência", por exemplo.
Implica aceitar que cada povo tem o direito inalienável de decidir o seu próprio futuro, incluindo as alianças que faz e as organizações internacionais a que quer pertencer.
E que ninguém pode ousar interferir nesse direito, seja de que forma for, muito menos pela força das armas. Estamos demasiado longe desse ponto, e Adolf Putin só conseguiu afastar-nos ainda mais. Mas o problema não é só dele.
A principal ameaça à paz mundial não tem sido a Rússia, até agora, apesar das várias intervenções russas em países vizinhos que tem havido durante a ditadura putinista. Têm sido mesmo os EUA, com sucessivas aventuras militares de resultados catastróficos.
Agora, Adolf Putin decidiu imitar os EUA da pior forma possível, ultrapassando-os pela extrema-direita. Na verdade, no que está a fazer na Ucrânia só há uma diferença real face ao que os EUA fizeram no Iraque, por exemplo. O grau de mentira para justificar a guerra é o mesmo, o imperialismo de base é igual, em xenofobia talvez até nem chegue perto dos americanos. Mas numa coisa é MUITO pior, e isso faz toda a diferença.
Em nenhuma das suas múltiplas aventuras militares os americanos negaram o direito de um povo e uma nação à existência. Querem-nas a existir sob os SEUS termos, mas a existir. Adolf Putin nega-o à Ucrânia. E nisso só é comparável ao que Israel faz à Palestina. (Não por acaso, Israel tem sido a outra grande ameaça à paz mundial das últimas décadas)
E também é comparável ao que a Alemanha nazi fez a vários povos, com os judeus à cabeça.
Até no imperialismo há graus. Adolf Putin colocou a Rússia no pior grau possível.
Portanto, neste momento, é a Rússia a maior ameaça que temos no planeta à paz mundial. E sê-lo-á enquanto os russos continuarem a tolerar a cleptocracia fascista que os governa.
O que, obviamente, só irá empurrar todos os outros para os braços do império americano. Isto é, para o reforço da NATO. Não é saudável, não é bom, mas é completamente compreensível.
É preciso arranjar maneira de quebrar este ciclo vicioso. Em princípio, essa maneira passaria pelo reforço da ONU como garante da paz no planeta.
Mas a verdade é que também a ONU tem o imperialismo nela embutido como marca de nascença. Os membros permanentes no conselho de segurança são os velhos impérios vitoriosos do pós-guerra. A própria ideia de haver membros com direito de veto é a negação do multilateralismo. Porque assim a ONU nada fará contra a vontade de um desses impérios. O que reduz a nada as garantias que a ONU poderia dar em termos de manutenção de paz quando um desses impérios decide atacar.
Tem-se visto isso com o bloqueio permanente a Cuba e os sucessivos vetos a qualquer resolução que o afaste ou a qualquer condenação da ocupação da Palestina. Viu-se isso agora com o veto russo à condenação da invasão de Adolf Putin. Ver-se-ia caso a China decidisse invadir Taiwan ou tomar o controlo total do Mar da China Meridional. Ou se uma eventual França lepenista achasse boa ideia alargar a sua Guiana. Ou se o RU chegasse à conclusão de que ainda não tem paraísos fiscais suficientes nas Caraíbas e resolvesse invadir mais umas ilhas. Com os vetos, a ONU fica paralisada, e portanto os impérios podem fazer o que lhes apetece.
Não sei qual é a solução para isto. Mas ACHO que tem de passar pela promoção da ideia multilateralista e pelo combate sem tréguas ao imperialismo. E isso é incompatível com a ideia de que há imperialismos bons e imperialismos maus. É incompatível com a ideia de que os EUA têm o direito de impor a sua vontade mas a Rússia não, ou vice-versa. Ninguém tem. É incompatível com achar-se tolerável que alguém, seja quem for, pode negar a outros povos o direito de existir.
ACHO que só a adoção generalizada destas ideias pode realmente contribuir para a nossa segurança comum. E que quem não as promover é parte do problema. À esquerda e à direita.
Se não formos por aqui, suspeito que não duraremos muito tempo.
Obrigado por leres isto, se leste isto, e desculpa lá a extensão do testamento. Senti necessidade de desabafar. De pensar um bocado em direto. Às vezes dá-me para aí.
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